05 março, 2008

Amores distantes



Quem não amou sem, de repente, já não poder trocar um
beijo, um olhar, um sim, ou mesmo um não? Amores
distantes são fantasmas, presenças incorpóreas,
arrepios de vento ou de lembranças – não de toques.

Quem não amou pelo breve tempo de uma viagem, sabendo
que ali na frente estava a volta com suas
impossibilidades? O alongado tempo da ausência? Como
se interpõe um oceano entre dois desejos, como se
plantam montanhas, meridianos, paralelos entre duas
ânsias de estar junto? Amantes separados têm
necessidades que nenhum e-mail alivia, nenhuma carta
com beijo de batom ameniza, nenhum telefonema consola
– ao contrário: mais apertam o coração e o resto.


Quem não se apaixonou e teve de se afastar, só,
deixando para trás um pedaço de si, transformado em
metade, roubado do amor por uma transferência do
trabalho, uma oportunidade, uma família que se muda?
Ou quem, por outro lado, teve de ficar e se resignar,
também metade? Duas metades oxidando suas cicatrizes,
como laranja partida.

Quem não se enganou, pensando que era fugaz o amor e o
dispensou, sem pena de o ver partir? Amor que mais
tarde se revelou brasa dormindo sob as cinzas, mas
agora sem remédio, pois o preterido se tornara de
outra o preferido.

E quem não amou secretamente, por algum motivo?

Já foram mais duros os impedimentos do amor; as
distâncias, mais impossíveis de vencer. Filhas eram
postas em conventos pelos pais, que queriam matar
sufocado algum amor que repudiavam. Até princesas eram
encerradas em torres. Hoje princesas namoram
cavalariços.

O inconfidente preso Tomás Antônio Gonzaga, o Dirceu
de Marília, consolava-se com os poemas que escrevia
para a amada no presídio de Vila Rica, impossibilitado
de vê-la: "Nesta cruel masmorra tenebrosa / ainda
vendo estou teus olhos belos, / a testa formosa, / os
dentes nevados, / os negros cabelos". Ou este outro,
escrito na prisão da Ilha das Cobras, no Rio de
Janeiro, sempre figurando a noiva: "Nesta triste
masmorra, / de um semi-vivo corpo sepultura, / inda,
Marília, adoro / a tua formosura. / Amor na minha
idéia te retrata; / busca, extremoso, que eu assim
resista / à dor imensa que me cerca e mata". Foi de lá
exilado para a África e nunca mais a viu.

De tais tormentos não se podem queixar os presos de
hoje, nestes tempos liberais que facultam a visita
íntima – amor é abraço.

Até impedimentos banais foram cantados, como nesta
canção dos anos de 1940: "Oi, eu de cá, você de lá /
do outro lado da lagoa / de dia não tenho tempo / de
noite não tem canoa". Boleros, sambas, valsas, modas
sertanejas, tangos, blues, baladas, axés, reggaes,
rocks – em todos os ritmos as canções falaram de
amores a distância, porque a verdade é que amores
venturosos não costumam dar ibope. "Quem parte leva
saudade de alguém / que fica chorando de dor."

Há abismos que nós mes-mos abrimos, por nos faltar
ousadia para dar o passo; há Julietas frustradas em
balcões que não galgamos, Romeus vacilantes; há
barreiras como a guerra, a doença, o fanatismo, o
racismo, o autoritarismo, o casamento, que os
apaixonados, mesmo próximos, por fraqueza ou juí-zo
não conseguem transpor – tudo é distância, pois amor é
abraço.

– E você, poeta? – pergunto.

– Em outro hemisfério já deixei suspirosas Cristinas,
Bárbaras e Ellens, suspiroso fiquei por ausentes
Guidas e Vidinhas. Mas houve amores que venceram
distâncias e não conseguiram vencer o tempo. E você,
cronista?

– Cultivo o amor de convivência. Porque amor é abraço.

(Autor: Ivan Angelo 05.03.2008)

By: TX

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