12 janeiro, 2007

Encarnação involuntária

A narradora tem o hábito de, quando vê uma pessoa que nunca viu, observá-la e encarnar-se nela, para poder conhecê-la.

Certa vez, num avião encarnou-se numa missionária.
Durante toda a viagem e alguns dias em terra, assumiu o “ar de sofrimento-superado-pela-paz-de-se-ter-uma missão”.
A narradora levanta a hipótese de nunca ter sido ela mesma senão no momento de nascer, e o resto tinha sido encarnações.
Depois ela afirma que não, que ela é uma pessoa.
“E quando o fantasma de mim mesmo me toma – então é um encontro de alegria, uma tal festa, que a modo de dizer choramos uma no ombro da outra”.

Uma vez, também em viagem, ela encontrou uma prostituta perfumadíssima que fumava entrefechando o olhos e estes ao mesmo tempo olhavam um homem que já estava sendo hipnotizado.
Então, a narradora fez o mesmo.
“Mas o homem gordo que eu olhava para experimentar e ter a alma da prostituta, o gordo estava mergulhado no New York Times.
E meu perfume era discreto demais.
Falhou tudo”.


Autor: Clarice Lispector(Ucrânia, 1925 - Brasil, 1977)
In “Felicidade clandestina”

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