12 abril, 2007

O nascimento do prazer - (Trecho)


O prazer nascendo dói tanto no peito
que se prefere sentir a habituada dor ao insólito prazer.
A alegria verdadeira não tem explicação possível,
não tem a possibilidade de ser compreendida -
e se parece com o início de uma perdição irrecuperável.
Esse fundir-se total é insuportavelmente bom -
como se a morte fosse o nosso bem maior e final,
só que não é a morte,
é a vida incomensurável que chega a se parecer
com a grandeza da morte.
Deve-se deixar inundar pela alegria aos poucos -
pois é a vida nascendo.
E quem não tiver força,
que antes cubra cada nervo com uma película protetora,
com uma película de morte para poder tolerar a vida.
Essa película pode consistir em qualquer ato formal protetor,
em qualquer silêncio
ou em várias palavras sem sentido.
Pois o prazer não é de se brincar com ele.
Ele é nós.
Autor: Clarice Lispector(Ucrânia, 1925 - Brasil, 1977)

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