27 dezembro, 2006

A lucidez perigosa


Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa actual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
Assim como um cálculo matemático perfeitodo qual,
no entanto, não se precise.
Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano- já me aconteceu antes.
Pois sei que- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade -
essa clareza de realidadeé um risco.
Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.
Autor: Clarice Lispector (Ucrânia, 1925 - Brasil, 1977)

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