22 dezembro, 2006

As águas do Mundo


Às seis horas da manhã, a mulher entra no mar:
este, o mais ininteligível das existências não humanas;
ela, o mais ininteligível dos seres vivos.
Ela vai entrando, cumprindo uma coragem.
Avançando, abre o mar pelo meio. Ela brinca com a água.
Com a concha das mãos cheia de água, bebe em goles grandes.
“E era isso o que lhe estava faltando:
o mar por dentro como o líquido espesso de um homem.
Agora ela está toda igual a si mesma.”
Mergulha de novo, de novo bebe mais água.
Como contra os costados de um navio, a água bate, volta, não recebe transmissões.
Depois caminha na água e volta à praia.
Agora, pisa na areia.
“E sabe de algum modo obscuro que seus cabelos escorridos são de um náufrago.
Porque sabe – sabe que fez um perigo.
Um perigo tão antigo quanto o ser humano.”
Autor: Clarice Lispector(Ucrânia, 1925 - Brasil, 1977)
In “Felicidade clandestina”

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