18 maio, 2006

A VAIDADE DE FERNANDO HENRIQUE SUPEROU A ÉTICA


Para o jurista Dalmo Dallari, a crise política atual possui uma estreita relação com o inconformismo da elite tradicional frente à chegada de Lula ao poder.
Segundo ele, a imprensa tem sido a voz dessacorrente, acusando-os depois de estarem em silêncio.
"Eu sou um exemplo disso. Muitas vezes dou entrevistas que não saem, são vetadas pelo editor", acusa.
Na entrevista a seguir, Dallari também comenta as declarações do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, "aconselhando" Lula a não se candidatar à reeleição.
"Antes de mais nada, é uma atitude deselegante que mostra, de certa forma, um desequilíbrio emocional. A vaidade dele superou a ética".
Quais são as raízes da crise política atual?
Essa crise tem duas razões básicas. Uma delas, a mais profunda, é o inconformismo das elites tradicionais com a vitória do Lula. Para os que tradicionalmente mandaram no Brasil é um absurdo um operário na presidência da República. Isso ainda não foi absorvido.
A outra razão, que tem ligação com isso, é que já se iniciou a campanha eleitoral.
Examinadas todas as questões levantadas agora com ar de escândalo, vemos que, por um lado, são fatos antigos no país, erros, vícios, desvios que já acontecem há tempos. Financiamento de campanha, trocas de cargos por apoio, tudo isso faz parte do nosso sistema político e grande parte dessas acusações não têm consistência jurídica.
Muitas coisas apresentadas como escândalo não constituem ilegalidade. Rigorosamente, o único fato que caracteriza crime e já teria prova é a confissão do Roberto Jefferson de que ele cometeu crime eleitoral.
Uma confissão pública, sem nenhuma coação.
Há quem defenda que as elites estariam satisfeitas com a gestão do presidente Lula e por isso não haveria qualquer tipo de confrontação entre elas e o governo...
Mas essas elites nacionais sempre participaram da elite dirigente, independente da profissão e até da condição econômica. São pessoas que pertencem à elite social, de onde sempre saíram os dirigentes dos altos cargos.
É uma atitude rigorosamente preconceituosa.
Como o senhor vê a atuação da imprensa nesse contexto?
A imprensa tem sido o veículo dessa elite inconformada. Vejo fatos que ocorreram no governo Fernando Henrique e que foram noticiados sem que se considerasse uma tragédia nacional. Quando ocorre no governo Lula, aparecem como se fosse o fim do mundo. A própria imprensa mais reacionária e conservadora chegou a noticiar que o ministro Sérgio Motta foi o comprador de votos para operar a reeleição de Fernando Henrique. Mas isso foi noticiado de passagem, ninguém considerou um escândalo nacional, não se exigiram providências para punição e quando se fala em compra de votos agora parece algo novo.
Como o senhor enxerga as declarações do ex-presidente Fernando Henrique aconselhando o presidente Lula a não se candidatar à reeleição?
Ele sonha com a volta à presidência e sabe que Lula seria o grande adversário. Fernando Henrique e outros dirigentes do PSDB vêm insistindo nessa tecla. Antes de mais nada, é uma atitude deselegante que mostra, de certa forma, um desequilíbrio emocional. A vaidade dele superou a ética.
Como o senhor vê o fato dos intelectuais ligados à esquerda estarem reclusos nesse momento de crise?
Em grande parte está faltando reação porque a imprensa não dá espaço para os que são considerados "petistas". Eu sou um exemplo disso. Tenho grande dificuldade para publicar nos grandes jornais de São Paulo. Muitas vezes dou entrevistas que não saem, são vetadas pelo editor. Já fui procurado por jornalistas que foram meus alunos na faculdade de direito pedindo entrevistas e já dizia: nós vamos perder tempo, mas falava. Depois não sai uma palavra. Acho cínico quando chega alguém desses jornalões e fala "ah, mas os intelectuais estão calados". Claro, eles não têm espaço. Vou sair na Praça da sé gritando?
Após esse momento, que reflexões o PT deve fazer?
O PT deve fazer um exame de consciência muito sério para rever suas posições e deve examinar seriamente a questão das alianças, absolutamente contraditórias, e o governo têm que tomar muito cuidado para selecionar para os cargos públicos gente com preparo, experiência. Pelo relacionamento que tenho com pessoas do PT, acho que alguns estão sendo envolvidos em irregularidades por despreparo e ingenuidade, nunca tiveram experiência em administração pública, não avaliam exatamente o que significa sua participação e, muitas vezes, não têm o preparo técnico necessário. É preciso entregar os cargos a quem estiver preparado e tenha reputação ilibada.
E falando especificamente da composição política?
O arranjo com o PMDB é necessário, o governo não tem maioria no Congresso, mas nesses acordos o governo não pode abrir mão da escolha dos nomes. O acordo não pode ser feito como a entrega de um cheque em branco, pode-se dar dois ministérios, mas o partido sugere os nomes e o governo escolhe pessoas que têm preparo e reputação ilibada. Aí o acordo é viável.
Isso se reproduziu na escolha dos três ministros do PMDB anunciados agora?
Acho que foram boas escolhas. Os ministros são pessoas que têm envolvimento nas suas áreas. O ministro da Saúde, por exemplo, têm grande experiência, já foi secretário em Minas Gerais e conhece efetivamente os problemas da área. Além disso, tem uma reputação indiscutível, um homem reconhecidamente honesto, competente,dedicado. Foi uma excelente escolha.
(Glauco Faria)

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